Fernando Alcoforado*
Este artigo tem o objetivo de apresentar em detalhes as graves consequências da aprovação do projeto de lei Antifacção do governo federal, batizado como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado na Câmara dos Deputados, levando em conta pesquisa que realizamos nos diversos órgãos da mídia através dos quais especialistas em segurança pública opinaram sobre este projeto de lei. O projeto de lei Antifacção do governo federal, batizado como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado na Câmara dos Deputados, foi aprovado após seis versões sucessivas, cada uma pior do que a outra, apresentadas pelo relator, deputado bolsonarista Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo, licenciado do cargo. Derrite elaborou, no total, seis versões do projeto, e fez uma série de recuos. Mesmo assim, distorceu profundamente o projeto do governo federal. Há diferentes críticas de especialistas em segurança pública ao Marco Legal do Combate ao Crime Organizado (PL 5582/25) aprovado pela Câmara, e alguns desses pontos são vistos como fragilidades ou até retrocessos no enfrentamento real das facções criminosas.
Aqui estão os principais pontos sobre como esse Marco Legal do Combate ao Crime Organizado fragilizaria o combate ao crime organizado no Brasil com argumentos apresentados por especialistas em segurança pública, analistas da imprensa, parlamentares, juristas e organizações da sociedade civil.
Principais pontos que fragilizariam o combate ao crime organizado
Retirada de mecanismos de sufocamento financeiro do crime organizado
o O texto aprovado pela Câmara dos Deputados removeu dispositivos importantes presentes no projeto original enviados pelo governo. Esses dispositivos envolviam cooperação entre PF, Receita Federal, Banco Central e COAF para rastrear e bloquear recursos financeiros das facções.
o A retirada desses mecanismos enfraquece justamente a parte central da estratégia antifacção, que muitas vezes depende do corte de financiamento para organizações criminosas.
Mudanças na atribuição da Polícia Federal (PF) comprometedoras no combate ao crime organizado
o No substitutivo aprovado, a PF teve parte de suas atribuições modificadas. Críticos dizem que essas mudanças podem dificultar investigações complexas sobre facções.
o O texto aprovado vai dificultar o trabalho da Polícia Federal para investigar e combater o crime organizado. Se a PF ficar com menos poder ou responsabilidade para rastrear crime organizado, isso pode reduzir a eficácia das ações integradas em nível nacional.
Redução de recursos da PF para combater o crime organizado
o O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados incluiu a destinação de bens apreendidos ao Fundo Nacional de Segurança Pública em ações com a participação da PF. Anteriormente, a destinação dos recursos seria para o Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal). O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê destinar recursos aos fundos de segurança estaduais ou do Distrito Federal, quando o caso estiver sendo investigado por autoridades locais, descapitalizando A PF em prejuízo do combate ao crime organizado.
o Mudanças no texto do projeto de lei antifacção, aprovado pela Câmara dos Deputados, vão “asfixiar financeiramente” a atividade da PF (Polícia Federal).
o É inaceitável asfixiar a Polícia Federal, tirando o dinheiro no momento da sua maior atuação contra o crime organizado.
Definição jurídica controversa (“domínio social estruturado” + crime hediondo) geradora de “caos jurídico”
o O projeto tipifica um novo crime chamado “domínio social estruturado”, com pena de 20 a 40 anos para quem exerce controle social por meio de milícia ou facções.
o Tornou esse crime “hediondo” significando endurecimento (proibição de anistia, indulto, fiança, entre outros).
o Críticos argumentam que a “criação de um novo tipo criminal” pode gerar insegurança jurídica: tribunais, defensores públicos e acusação ainda terão dificuldades para interpretar e aplicar consistentemente esse crime. Há risco de “caos jurídico”.
o Além disso, homicídios praticados por facções, segundo o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, serão julgados por colegiado em primeira instância, não por júri, o que pode alterar a dinâmica de responsabilização desses crimes.
o As audiências de custódia, segundo o projeto, “em regra” poderão ser por videoconferência, salvo decisão judicial em contrário. Isso pode limitar a fiscalização mais próxima dessas audiências.
Apreensão de bens do crime organizado antes do trânsito em julgado
o O projeto aprovado pela Câmara prevê a apreensão prévia de bens do investigado “em certas circunstâncias”, e possibilidade de perdimento desses bens antes da sentença definitiva (trânsito em julgado).
o Isso gera preocupação porque pode ferir garantias processuais: há risco de que bens sejam tomados antes de haver condenação definitiva, o que pode levar a abusos ou erros, especialmente em investigações complexas.
Exclusão de algumas propostas de integração institucional contra o crime organizado
o O projeto substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados retira parte das propostas originais quanto à investigação integrada (polícias, órgãos financeiros, inteligência), o que compromete a articulação institucional para atacar o crime organizado de maneira sistêmica tornando ineficaz o combate ao crime organizado.
o A falta de integração no projeto substitutivo da Câmara dos Deputados pode dificultar rastreamento de capital, cooperação interestadual ou internacional, o que é fundamental no combate a facções que operam em diversos estados.
Possível privilégio legal para milícias ou grupos estruturados
o Alguns críticos alegam que o texto do projeto substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados “cria facção criminosa privilegiada” ou favorece certas organizações estruturadas, porque a tipificação e aplicação prática pode beneficiar grupos que têm recursos para contestar judicialmente ou usar brechas legais.
o A versão aprovada “endurece penas, mas fragiliza pontos estratégicos da proposta original da Lei Antifacção” do governo federal.
Controvérsia sobre eleição e direitos políticos violando princípios democráticos e de presunção de inocência estabelecidos pela Constituição
o O projeto aprovado incluiu emenda para cancelar título de eleitor de pessoa que está em prisão provisória e proibir alistamento de preso provisório, o que tem sido criticado por conflitar com direitos políticos em processos que ainda não chegaram a condenação final.
o Critica-se que isto poderia violar princípios democráticos e de presunção de inocência estabelecidos pela Constituição.
Conclusões
Pelo exposto, o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado aprovado pela Câmara dos Deputados apresenta as fragilidades descritas a seguir:
Promove mudanças na atribuição da Polícia Federal (PF) comprometedoras no combate ao crime organizado:
No substitutivo aprovado, a PF teve parte de suas atribuições modificadas. Críticos dizem que essas mudanças podem dificultar investigações complexas sobre facções. O texto aprovado vai dificultar o trabalho da Polícia Federal para investigar e combater o crime organizado. Se a PF ficar com menos poder ou responsabilidade para rastrear crime organizado, isso pode reduzir a eficácia das ações integradas em nível nacional.
Há o risco de menos eficácia prática no combate ao crime organizado com a exclusão de algumas propostas de integração institucional:
O projeto substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados retira parte das propostas originais quanto à investigação integrada (polícias, órgãos financeiros, inteligência), o que compromete a articulação institucional para atacar o crime organizado de maneira sistêmica tornando ineficaz o combate ao crime organizado. A falta de integração no projeto substitutivo da Câmara dos Deputados pode dificultar rastreamento de capital, cooperação interestadual ou internacional, o que é fundamental no combate a facções que operam em diversos estados. Mesmo com penas mais duras, se a parte de investigação financeira e integração institucional estiver enfraquecida, organizações criminosas sofisticadas podem continuar operando com estrutura econômica robusta.
Promove a asfixia financeira da Polícia Federal no combate ao crime organizado:
Há o comprometimento do combate ao crime organizado ao diluir entre a PF os governos estaduais os valores de bens apreendidos do crime organizado destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública que antes seriam destinados exclusivamente ao Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal).
Fragiliza as instituições de investigação no combate ao crime organizado:
Com a PF e outros órgãos como a Receita Federal enfraquecidos ou deslocados de funções centrais pode comprometer operações estratégicas contra facções, especialmente naquelas que exigem cooperação entre esferas federais, estaduais e financeiras.
O projeto aprovado pela Câmara prioriza penalização dura sem garantir toda a estrutura investigativa e institucional necessária para desmantelar efetivamente organizações criminosas:
Foram propostas medidas de endurecimento penal claras, agravantes para líderes, proibição de indulto, e definição de novos crimes sem garantir toda a estrutura investigativa e institucional necessária.
Gera “caos jurídico” com decisões judiciais divergentes:
O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados tipifica um novo crime chamado “domínio social estruturado”, com pena de 20 a 40 anos para quem exerce controle social por meio de milícia ou facções. Tornou esse crime “hediondo” significando endurecimento (proibição de anistia, indulto, fiança, entre outros). A definição de “domínio social estruturado” pode gerar decisões judiciais divergentes, dificultando a uniformização de julgamentos e criando oportunidades para recursos por parte de acusados bem assessorados. Juristas argumentam que a “criação de um novo tipo criminal” pode gerar insegurança jurídica: tribunais, defensores públicos e acusação ainda terão dificuldades para interpretar e aplicar consistentemente esse crime. Há risco de “caos jurídico”. Além disso, homicídios praticados por facções, segundo o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, serão julgados por colegiado em primeira instância, não por júri, o que pode alterar a dinâmica de responsabilização desses crimes.
Garantias processuais estão ameaçadas:
O projeto aprovado na Câmara prevê a apreensão prévia de bens do investigado “em certas circunstâncias”, e possibilidade de perdimento desses bens antes da sentença definitiva (trânsito em julgado). Isso gera preocupação porque pode ferir garantias processuais: há risco de que bens sejam tomados antes de haver condenação definitiva, o que pode levar a abusos ou erros, especialmente em investigações complexas. A apreensão de bens antes do trânsito em julgado pode levantar questionamentos constitucionais (direito à propriedade, devido processo), e pode ter efeitos dissuasivos em investigações se houver reclamações sobre abusos.
Promove desconfiança social e política:
Ao incluir medidas polêmicas como cancelamento de título de eleitor para presos provisórios, o projeto atenta contra a Constituição, o que pode dificultar sua legitimação e aplicação prática.
Considerações finais
Pode-se afirmar que, na prática, houve um conluio entre os partidos e governadores de direita e extrema direita com o incapaz presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, no sentido de desqualificar o projeto de lei Antifacção do governo federal que foi batizado na Câmara como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. O propósito dos partidos de direita e extrema direita e dos governadores de extrema direita (Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Claudio Castro e Jorginho Mello) e Hugo Motta foi o de evitar que o governo Lula assumisse o protagonismo na luta contra o crime organizado, através da PEC da Segurança Pública e da Lei Antifacção.
É importante destacar que a segurança pública sempre foi uma bandeira, sobretudo dos extremistas de direita bolsonaristas, que se sentiram ameaçados de perder protagonismo com a ação incisiva do governo Lula nesta área. Ação policial no Rio de Janeiro comandada pelo governador Claudio Castro que resultou na matança de 121 supostos integrantes do Comando Vermelho foi o início do processo que levou à desqualificação do projeto de lei Antifacção do governo federal e se transformou no “monstrengo” do que foi batizado como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado.
Um dos alvos principais dos extremistas de direita bolsonaristas que aprovaram o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado foi o de penalizar a Polícia Federal que tem atuado no combate à corrupção de parlamentares que fazem o uso indevido das emendas parlamentares, bem como poderá atuar contra parlamentares que tenham ligações com o crime organizado, promovendo o enfraquecimento financeiro e institucional da Polícia federal no combate ao crime organizado.
Compete agora ao Senado Federal fazer com que o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado esteja compatível com a Constituição, assegure o trabalho integrado entre polícias, órgãos financeiros e inteligência, não diminua as prerrogativas da Polícia Federal no combate ao crime organizado e não reduza os recursos provenientes de bens apreendidos do crime organizado destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública e sejam destinados exclusivamente ao Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal).
Fernando Alcoforado, 85, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela a Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023), A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023), Como construir um mundo de paz, progresso e felicidade para toda a humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2024) e How to build a world of peace, progress and happiness for all humanity (Editora CRV, Curitiba, 2024).
